poesia, Carlos Lopes Pires

quinta-feira, 25 de abril de 2024

e todavia

a esperança existe

 

vejo-a

enquanto espero

um brilho que sai

da água

 

e ascende

 

e então

sigo essa estrada

sei tanto

sobre liberdade

 

como sei

sobre a verdade

 

isto é

népia

 

mas não

te preocupes

eu e outros ignorantes

como eu

 

voamos de peixes

o coração

quarta-feira, 24 de abril de 2024

hoje encontrei

um peixe de voar

 

atravessou as nuvens

e a chuva

 

caminhou no chão

a fazer de formiga

e sombra ao sol

 

do seu coração

brotou um rio

e uma flor

sem nome

terça-feira, 23 de abril de 2024

            sê clandestino: segue a pista

 

 

seres clandestino não significa andares escondido ou destruíres o que está instituído. Seres clandestino significa seres autêntico. E é só porque ser autêntico é tão raro, que o mais das vezes provoca estranheza e leva a que se esteja por fora da realidade formal ou mundo instituído, o da normatividade, da banalidade.

Ser clandestino significa encontrares um desígnio pessoal, teu, de mais ninguém, que podes partilhar, é claro, mas sempre compreendendo que não podes impôr o que não te pertence. Portanto, ser autêntico é em relação a este desígnio pessoal, e que não se confunde com as risíveis manifestações panfletárias.

Ser clandestino custa. Em geral, terás de prescindir das atribuições possíveis de méritos, de reconhecimentos por parte de pessoas ou grupos que cultivam a normatividade. Podes até aceitá-los, mas sempre ciente, sabedor de que não deixas que te roubem o espírito clandestino, porque sabes que não passam de entretenimentos perante a tua viagem única. Aprende que ser clandestino não é um atributo deste mundo. É uma escolha ética que tu fazes em teu próprio nome. E na história da humanidade não estarás só: muitos outros, antes de ti, fizeram essa escolha. É longa a linhagem que não acaba em ti. Se quiseres, segue essa pista.

Ser clandestino chega a doer quando observas o triunfo dos medíocres. Pessoas sem talento, imaginação ou inteligência hão de passar-te à frente. Por que te espantas?: Elas estão por toda a parte. São a maioria. Mas escuta-te: tu nasceste sem princípio e podes construir a tua ausência. Não precisas de mais nada. Basta que te cales e busques em ti o espírito do gato: nunca desistas da autenticidade. O mundo que te deram é apenas uma versão da realidade. Há outras possíveis. Segue a pista.

Ser clandestino é seguires o caminho do bem. E que por onde quer que vás levas contigo uma mensagem cósmica. Não sigas religiões ou livros adjacentes: apenas querem roubar-te a alma. Não queiras seguir santos, mestres ou gurus: são todos imitações uns dos outros. E não sabem nada que tu já não saibas: o mundo é um mistério e a existência um prodígio. Não deixes que te encerrem no seu quarto escuro. Crucifica-te na tua cruz e salva-te da banalidade. Eleva-te ao lugar mais alto que possas imaginar e faz da tua vida uma existência generosa e afável. Segue a pista.

Talvez os teus amigos não te ouçam, talvez não compreendam. Ou talvez sejas tu que não te explicas ou não compreendes toda a grandiosidade que recebeste. Não importa: recorda que no cosmos nada está fora de ti. Que cada coisa ou partícula já um dia foram como tu. E tu simplesmente estás de regresso.

Clandestina-te. Segue a pista

segunda-feira, 22 de abril de 2024

todo o meu amor

seja a tua negação

 

e cresça aqui

ou ali

 

numa erva

numa árvore

 

em algo

que depois se incline

 

e então

 

eu seja livre

de tudo o que perdi

domingo, 21 de abril de 2024

por vezes

os amigos vão embora

 

as ruas

as paredes

entre as casas

 

os passos

que a memória

guarda num retrato

 

e então

cravo uma rosa no meu coração

e vejo-a crescer luminosa

 

elevar-se

da ferida aberta

 

uma lágrima

ilumina cada ausência

sexta-feira, 19 de abril de 2024

hoje dei conta

 

que sou teu amigo

 

talvez eu não

te faça ainda falta

 

há muitas distâncias

 

às vezes são paredes

casas países

 

outras vezes sou eu

que estou calado

 

mas hoje foi-me dito

por um sinal

que alguma coisa

me puxa para ti

 

repara

 

não segui estrelas

nem foste anunciado

num livro

 

foste-me

anunciado no coração