poesia, Carlos Lopes Pires

quinta-feira, 25 de abril de 2019


Mas o que é um amigo? O que é essa coisa chamada amizade? Que espécie de sentimento é este, que nos faz crer tanto nos amigos, confiar neles como se donos fossem de poderes especiais? Partilhar com eles alegrias, dores ou sofrimento? Que magia há nos amigos, pergunto-vos, que nos faz crer que tudo neles é transparente e luminoso?

Ao longo da minha vida tenho assistido a alguns factos muito misteriosos. Um amigo tem poderes curativos sobre nós, prolonga-nos a vida, protege-nos da chuva quando nos dá a mão ou toca um ombro. Se estamos tristes ele chega e com uma palavra impronunciável cura-nos da tristeza. Inexplicavelmente, os amigos têm o poder de saciar-nos da fome ou da sede. Quando estamos exaustos, tão cansados, vêm junto de nós e sorriem, e então vamos por onde vamos. Os amigos fazem-nos crer em coisas que só existem para eles e partilham-nas, repartem-nas com as mãos, e tornam-se nossas também.

Os amigos não precisam de cartas de recomendação, de juramentos ou palavras de honra. O que dizem serve uma vez e para sempre. Aos amigos perdoamos o que não se perdoa a ninguém, pois aos amigos outorgamos a bondade dos defeitos, o direito à imperfeição.

Os amigos não mentem: contam-nos versões da verdade. Aquilo que nos outros é mentira, nos amigos é força da imaginação. É que aos amigos liga-nos algo que não nos liga a ninguém: o segredo da amizade. Porque a amizade é uma coisa de magia, que purifica, compreende, transforma. A amizade cura.
Um amigo jamais esquece outro. Poderão passar anos, mas nem a morte pode separar-nos de um amigo, pois ele ficou connosco desde o primeiro abraço, desde a primeira vez que tocámos o ombro um do outro. Quando nos disse a palavra autêntica.

Amigo é aquele que espera de mim humanidade e comigo partilha a sua. Não espero de um amigo que seja santo ou flutue acima dos telhados da cidade. De um amigo espero apenas a bondade do seu pedaço de humanidade; o perdão, a compreensão pelo meu pedaço de humanidade. Que seja para mim uma metade e eu a outra que sou para ele. E que seja de todos o mais próximo de mim. Que aceite os meus erros e fraquezas e me retribua com o seu abraço de imensa grandeza. E por isso digo que a amizade é uma coisa abençoada. Não é algo que se compre, se troque, se venda ou peça emprestada. A amizade é uma dádiva, e não tem peso ou medida. A amizade não é calculista. Não depende disto ou daquilo. Ela é simplesmente o que é, pois a amizade é inocente, e só o que é inocente perdura.

A amizade não se mede por palavras. Existem amizades silenciosas, recatadas, amigos que nos tocam de longe ou com simples gestos verdadeiros. A amizade não precisa de explicações. Ninguém sabe de onde vem, de que matéria é feita, mas todos sabem reconhecê-la quando chega. Não precisa de adjectivos, nem de justificações, e por vezes cai dentro de nós como um sentimento que nos torna muito maiores que a nossa própria vida. Se não temos amigos vivemos e morremos sozinhos.

E no dia da nossa morte, amigo seja aquele que pronuncia o nosso nome no silêncio do seu coração, e o diz como se perdesse uma coisa de valor incalculável.



Os amigos fazem crescer as árvores.

1 comentário:

  1. a noite está presente
    e clara mesmo sem lua
    porque se sente a amizade

    há um amigo presente
    a dizer-nos coisas

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