quero levar-te
por onde eu vá
mostrar
como tu iluminas
tudo por onde passas
e que vejam
e que saibam
que a luz
toda a luz vem de ti
dizem que poderá ser
dos meus olhos
mas é no meu coração
que há muito
te iluminaste
não posso pedir-te que venhas comigo. nem posso pedir-te que vejas o mesmo que eu vejo. cada qual transporta a si mesmo. também não posso pedir-te que saibas do que eu sei e que todos os dias me acontece desde há muito. repara: estou cego e um cego não pode pedir aos outros que vejam o que ele mesmo não sabe que vê.
as metáforas
são coisas sobre
outras coisas
nos meus poemas
não há coisas
encavalitadas
se digo escaravelhos
é escaravelhos
se digo sol
se digo muros
a nada mais me refiro
os anjos dos meus poemas
não são pássaros
nem vaga-lumes
ou aparições
de almas penadas
não são
candeeiros da cidade
são apenas anjos
igualzinhos a ti
e a mim
só que voam
Sê clandestino: segue a pista
Seres clandestino não significa andares
escondido ou destruires o que está instituído. Seres clandestino significa seres
autêntico. E é só porque ser autêntico é tão raro, que o mais das vezes provoca
estranheza e leva a que se esteja por fora da realidade formal ou mundo
instituído, o da normatividade, da banalidade.
Ser clandestino significa encontrares um
desígio pessoal, teu, de mais ninguém, que podes partilhar, é claro, mas sempre
compreendendo que não podes impôr o que não te pertence. Portanto, ser
autêntico é em relação a este designio pessoal, e que não se confunde com as
risíveis manifestações panfletárias.
Ser clandestino custa. Em geral, terás de
prescindir das atribuições possíveis de méritos, de reconhecimentos por parte de
pessoas ou grupos que cultivam a normatividade. Podes até aceitá-los, mas
sempre ciente, sabedor de que não deixas que te roubem o espírito clandestino,
porque sabes que não passam de entretenimentos perante a tua viagem única.
Aprende que ser clandestino não é um atributo deste mundo. É uma escolha ética
que tu fazes em teu próprio nome. E na história da humanidade não estarás só:
muitos outros, antes de ti, fizeram essa escolha. É longa a linhagem que não
acaba em ti. Se quiseres, segue essa pista.
Ser clandestino chega a doer quando observas o
triunfo dos medíocres. Pessoas sem talento, imaginação ou inteligência hão de
passar-te à frente. Por que te espantas?: Elas estão por toda a parte. São a
maioria. Mas escuta-te: tu nasceste sem princípio e podes construir a tua
ausência. Não precisas de mais nada. Basta que te cales e busques em ti o
espírito do gato: nunca desistas da autenticidade. O mundo que te deram é
apenas uma versão da realidade. Há outras possíveis. Segue a pista.
Ser clandestino é seguires o caminho do bem. E
que por onde quer que vás levas contigo uma mensagem cósmica. Não sigas
religiões ou livros adjacentes: apenas querem roubar-te a alma. Não queiras
seguir santos, mestres ou gurus: são todos imitações uns dos outros. E não
sabem nada que tu já não saibas: o mundo é um mistério e a existência um
prodígio. Não deixes que te encerrem no seu quarto escuro. Crucifica-te na tua
cruz e salva-te da banalidade. Eleva-te ao lugar mais alto que possas imaginar
e faz da tua vida uma existência generosa e afável. Segue a pista.
Talvez os teus amigos não te ouçam, talvez não
compreendam. Ou talvez sejas tu que não te explicas ou não compreendes toda a
grandiosidade que recebeste. Não importa: recorda que no cosmos nada está fora
de ti. Que cada coisa ou partícula já um dia foram como tu. E tu simplesmente
estás de regresso.
Clandestina-te. Segue a pista