hoje é terça-feira
no
mundo
e
é tarde
no
meu coração
e
são as flores
e
os pássaros
que
me trazem
a
tua mão
não posso pedir-te que venhas comigo. nem posso pedir-te que vejas o mesmo que eu vejo. cada qual transporta a si mesmo. também não posso pedir-te que saibas do que eu sei e que todos os dias me acontece desde há muito. repara: estou cego e um cego não pode pedir aos outros que vejam o que ele mesmo não sabe que vê.
a minha mãe
quis ensinar-me tudo
o pai-nosso e a ave-maria
e antes disso as palavras
que nos ajudam a fazer o mundo
e um dia trouxe-me Deus
com maçãs à mistura
e uma dor muito grande
que era mais que uma estrada
de onde se via o mar
foi dessa janela que soube
que tudo o que era
era por dentro
nem sabedoria
nem milagre
apenas dentro
crucificado sejas
no dia de cada um
em cada aldeia e lugar
e na sombra das igrejas
crucificado
na nossa memória curta
e por nossa salvação
embora nenhum de nós
realmente te reconheça
e crucificado por isto
e por aquilo
por uma coisa ou outra
que todas as rosas servem
para odiar o próximo
tão estrangeiro foste e és
dentro de nós
quando lhe disseram que os seus poemas não são literatura/ nem se coadunam com as linhas da renovada poesia moderna// ele respirou de alívio/ encostou-se ao pessegueiro do quintal e sorriu para algumas abelhas/ que por ali andavam// juntou nas mãos um pouco de chuva da noite anterior/ e em duas abriu as mãos/ para que não se fizesse ainda tarde/ nos dois lados do mundo/ que eram um só no seu coração// e foi então que alguém lhe disse/ que também não há pessegueiros no seu quintal// mas como pode isso ser verdade/ se no meu quintal nunca me falta nada