poesia, Carlos Lopes Pires

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

possivelmente

todos teremos perdido
de vista alguém
no ano que agora passa

um lugar a menos na mesa
na rua ou no autocarro

uma voz que já só vive
nos retratos

uma ausência
que agora notamos mais
na forma de um desgosto

ou no vazio sentido no peito
porque possivelmente
aí morava

já que todas as presenças
ocupam partes do nosso corpo

e depois são como as maçãs
em falta numa árvore

possivelmente
desejamos que no próximo ano
se mantenha tudo como está

as mesmas árvores
as mesmas aves
e as mesmas mãos que definem
cada um
dos nossos amigos

e possivelmente sabemos
que jamais será assim

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

era tudo
já muito antigo

as chávenas do café
os quadros quietos nas paredes

até os gatos
pousados nos sofás
ou junto à lareira

eram de outra época

por vezes chovia
e os velhos os novos
o antigo e o moderno

eram como imagens passadas

palavras escritas
na janela de cada um

                   onde as maçãs crescem, 2020

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019


a todas as pessoas que me faltam

esta tão mão aberta
nas amoras de setembro

esta canção que se move
entre o mar e o deserto

tudo o que olho à volta
e me falta

o que mudaram nas ruas
e nas casas

onde já não estás


                   onde as maçãs crescem, 2020

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

                      pablo disse

eis algumas coisas
que morrem

as flores que secam
alguns bichos

mas nunca os pássaros

as árvores cortadas e queimadas
também morrem
e muitas pessoas morrem

mas nunca os pais
porque foram feitos
por Deus

e Deus só morre se quiser

                      in "aquele que não ouvirás mais", 2019

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

                  faz hoje um ano que faleceu patitas



patitas

que estás à direita
do limoeiro

de entre todos os animais
o único que abracei
na morte

nem antes nem depois
do contrário que me segue

estranha chuva e duro
o sentimento

que te alcance
esta falta tanta

e nela
o meu coração

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

             oração para estes dias


hoje
peço-te perdão
por não ter sido como tu

de ter sido igual
a tantos outros

de não ter escrito nas paredes
palavras que resistam
à indiferença e ao ódio

e de assim
não ter ouvido
o que tens para dizer-me
na boca de um estranho

por outras palavras
na minha janela embaciada

só encontrei
o meu nome escrito

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

              para paxi

sim
eu sei
todos morremos
e eram apenas canções
o que dizias

não nos falaste
daquelas coisas certas
que habitam janelas fechadas

era outra
a tua ferida

e era grande
e não choveu

no meio de tudo
um homem quase normal

nem milagres
nem frases eloquentes

na boca ressequida do vinagre
fechou os olhos

e morreu


                 (in "a noite que nenhuma mão alcança", 2018)

terça-feira, 17 de dezembro de 2019


havia um mar

mas apenas tu e eu
seguíamos pela areia. e as
tuas mãos tinham barcos

as minhas cordéis e balões
de brincar. era estranho
mas o que era acontecia

e era por dentro
que aquela coisa era
e eu sabia.

depois tirei do peito
uma luz
que era um nome
e por isso tu não a vias.

queres? perguntei

era talvez Deus
e afundou-se

o mundo
                in "a noite que nenhuma mão alcança", 2018
aos que não têm
não são
não podem

e arrastados seguem
por todos os rios do mundo

o sangue a carne
isso que me dói sempre
e contudo

e este não obstante conforto
de vidas tão desiguais

os nomes os números
os infindáveis sacrificados

os que não importam
nem sabemos

o seu nome

               in "a noite que nenhuma mão alcança", 2018

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

tu que estás à esquerda
de mim mesmo

nem antes nem depois
do que se move
e caminha em nós

como se fosse sempre
domingo à tarde

cada poema
encontra Deus lá dentro


domingo, 15 de dezembro de 2019


                       oração

porque caminhas a meu lado
é sexta e sábado

e porque ao domingo
descansas

porque ao domingo
te moves em silêncio
e não te vejo

porque ao domingo
os dias são mais distantes
e não te ouço

porque ao domingo
sou mais pobre

e não sou nem quero
ser mais que um pássaro
na tua mão

não peço mais
nem menos

a conta justa
e a medida certa

domingo, 8 de dezembro de 2019

                 Aos 18 anos do falecimento de meu pai

já nunca és tu
quem me leva pela mão

é tudo muito quieto
e pequeno
agora

na vida
que te perdeu



quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

todos os dias te peço
que desças dessa parede

e caminhes entre os móveis
e os desenhos na janela

que me dês a tua mão
e nela um sinal
do prodígio

e depois
vás pelas ruas
e entre os homens

te saibam
e reconheçam

domingo, 17 de novembro de 2019

a amizade
é uma chuva de quase

uma coisa que passou
e nos tocou

não se desse o caso
da rosa ser dela mesma

a outra rosa


sábado, 9 de novembro de 2019

               patitas

se pudesse arrancar
esta dor

dar-lhe outro nome
uma janela de chuva
onde estivesses sempre

uma palavra
que fosses tu

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

ouvi dizer
que todos os poemas
são mentira

uma imitação dos homens
que passam
na grande dor que há
em suas casas

mas as palavras e os nomes
insectos e terra

os desenhos nas janelas
mostram-me

a grande imitação
que a vida é

domingo, 3 de novembro de 2019


nada se parece mais
com a alegria

uma criança move
os seus dedos devagar
e apesar da tarde

é um pássaro
um risco

um desenho
no coração

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

como se fosse uma alegria

pegou na única estrela
que havia no quintal

era impossível
e era mentira

mas depois
abriu uma janela
que também não existia

na única estrela
do quintal

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

somos animais inquietos
junto às rosas
junto às rosas

junto às rosas
tratamos das crianças
dos amigos

e de pássaros
muito antigos

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

admiro os que amam
sem repetir-se

os que não guardam rancor
das coisas que fogem
ao tocar-se

os que fazem da sua morte
o grande mistério

das rosas

             

sábado, 17 de agosto de 2019

                            aos amigos


quando éramos estranhos

não existiam janelas
entre a tua casa
e a minha rua

nem havia aquelas noites
quase iguais às estrelas

o que havia
era uma distância inútil
a lembrar outubro

só mais tarde soube
que outra coisa habitava
as tuas mãos

e eras tu

e que lá dentro havia uma voz
e um coração

que por seu turno
agora pertencem a um desenho

onde escrevi o teu nome

                       (in onde as maçãs crescem, 2020)

quarta-feira, 14 de agosto de 2019


sê simples

nenhuma viagem
dura sempre

compreende
que todos os lugares
são de chegada e partida

depois
apaga tu
o teu nome

da janela

               (in onde as maçãs crescem, 2020)

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

                aos amigos neste dia 7 de agosto de 2019


como uma rosa aberta
no coração

levarei comigo
o teu nome 

                        (in onde as maçãs crescem, 2020)

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

morrer
é apagar-se
o teu nome

na janela 

                (in onde as maçãs crescem, 2020)

terça-feira, 30 de julho de 2019

           (prece por fernando passos)


que ainda há árvores

que não se acabem
as palavras que nos salvam

que haja um gesto
e nele a mão aberta
na outra que te conduz
e leva

e que possas voltar a ver o mar
no lado de fora
das janelas

que cantes

                       (in onde as maçãs crescem, 2020)

segunda-feira, 22 de julho de 2019

ó Deus

criador de todas as coisas
que não conhecem o seu lugar

fabricador do exílio
que há no coração humano

essa ausência que se presta
a divagações sem fim

e que afinal nunca estás
senão na falta que nos fazes

                  (in onde as maçãs crescem, 2020)

sábado, 13 de julho de 2019

mas se tu não estás

como hei de fazer
para encontrar a chuva

apanhar o autocarro
e sair deste lugar

caminhar até que as mãos
te reconheçam
   
                           (in onde as maçãs crescem, 2020)

quinta-feira, 4 de julho de 2019

                       para manuel frias martins

era um poema

e havia tanto dentro dele
que não havia muros
no quintal

era mesmo um mistério

e quando ele abria
as mãos
não eram rosas
nem água
o que lá havia

era outro o nome
era outra a palavra
que lá vinha

e por isso sentava-se
à sua espera

e nunca morria
       
                         (in onde crescem as maçãs, 2020)

quinta-feira, 27 de junho de 2019

nós

os que vamos morrer

pedimos lembranças
nos vossos corações

um tremor na garganta
e uma espécie
de tristeza

não que nos faça então
alguma diferença

mas porque assim
saberão vocês
que não será
em vão

a nossa dor

                       (in onde crescem as maçãs, 2020)

sábado, 22 de junho de 2019

vivemos junto a razões
que não sabemos

antigamente
colocávamos barquinhos
na água
e ali ficávamos
calados de espanto

a ver o que não sabíamos


agora já não somos as crianças
nem as rosas

que tocávamos no lado
de dentro das janelas

ainda estamos aqui
mas somos já

de outro lado

                     (in onde crescem as maçãs, 2020)

sexta-feira, 21 de junho de 2019

creio em tudo o que cai
creio na harmonia do chão
e seus derivados

creio nas formigas

não creio na gramática
do que está em cima ou voa
pois tudo os atrai para baixo

mas creio no silêncio
que é uma criatura do chão

assim os insectos
que se movem entre as coisas
e as tuas mãos de lama

creio no pó das estradas

             (in a minha poesia é uma ignorância, 2017)

segunda-feira, 17 de junho de 2019

ele não sabia
o que fazer com os poemas

alguns viviam nas mãos
como se fossem aves
mas eram também retratos

outros desprendiam-se
do coração
e tinham vida própria
nas coisas que tocavam

havia até poemas
que traziam palavras
tão pequenas e simples

que eram só de rezar

                    (in onde crescem as maçãs, 2020)

domingo, 16 de junho de 2019

o meu cunhado Júlio, que é espanhol de Madrid, numa viagem que recentemente fizemos a caminha e a santa tecla, ficou maravilhado com tudo o que observou


o meu cunhado júlio
fala com as estrelas

pede-lhes coisas

e elas mostram-lhe
o brilho dos barcos
sobre o rio

a neblina
que desce dos montes

os vultos que se movem
entre as margens

as crianças escrevendo
os dias lentos na areia
e nos desenhos

ou a misteriosa inclinação da luz
quando anoitece

o meu cunhado júlio
que não precisa de falar
por vezes não encontra
palavras para tanta abundância

então
ajoelha-se comovido
e agradece às estrelas
que a vida seja
um prodígio

tão bonito

                 (in onde crescem as maçãs, 2020)
a noite passada
Deus e eu fomos rezar
pela paz no mundo

e isto funciona? perguntei

não
mas tornamo-nos melhores

e ajoelhou-se
entre as lágrimas e o chão

                       (in onde crescem as maçãs, 2020)
sê abundante no que faças
sobeja-te

transborda de ti
o que movas nas palavras

pois todos sabemos
como o ser humano é tardio

mas há nas árvores
e nos pássaros
um espírito de abundância

e já que toda a sombra
vem da luz

reclama em ti
o dom da sementeira

            (in onde crescem as maçãs, 2020)

quinta-feira, 13 de junho de 2019

                             melancólico

se fôssemos como a chuva

e guardássemos na memória
as casas e os abraços
dos amigos

ou como a água do inverno
nas caleiras dos telhados
as lágrimas de tudo
o que nos doeu

o que a pouco e pouco se foi
sem nada deixar
na paisagem

nem rastos nem marcas
nem um sinal que seja

desta inútil passagem

                            (in onde crescem as maçãs, 2020)

sexta-feira, 7 de junho de 2019

                 poema quase popular de sabor amargo


há um país de mentiras
em que tudo parece verdade

onde há ricos que são pobres
e pobres muito ricos

um país que é nosso
mas onde nada nos pertence

enganados roubados
espoliados por intenções
actos e omissões

na saúde na educação
e em todo o quotidiano

um país que é falso
e onde nada bate certo

sábado, 1 de junho de 2019


já me disseram
que patitas não era um gato

mas uma visita
que Deus me fez
para encher-me o coração
de abundância

e depois se foi embora
porque ser gato

é melhor que ser Deus
e nunca poder morrer


segunda-feira, 27 de maio de 2019

                         pablo

queria
que crescesses sempre comigo
mas não posso

demasiado tempo é o teu
para o que me foi dado

que sejas abundante
no lado
da minha ausência

sexta-feira, 24 de maio de 2019

hoje

venho falar-te de abundância
e abro-te as mãos
abraço-te

multiplico a água
por muitas vezes pássaros

e vou por onde vou
com os pés as mãos
os olhos

que tudo me guia até ti

e transporto-me em abundância
ao teu coração

semeio
e movo as sementeiras

para que me digas
para que me fales

para que me tenhas
sempre contigo

segunda-feira, 20 de maio de 2019

                     (o meu filho pablo dirige-se a Deus)

amigo Deus

hoje acordei a pensar em ti
e julguei que fosses uma canção

uma canção
ou uma coisa muito grande
e azul
que não cabia
nas minhas mãos

mas era apenas a chuva da noite
a falar comigo
lá fora

então julguei
que fosses uma luz

e abri o coração


quarta-feira, 15 de maio de 2019

importa-te
em ter coisas
que não existam

pois importante
não é o que levas
nas mãos

mas o que nelas se abre
e transforma

importante
não é o que tens

mas o que falta

terça-feira, 14 de maio de 2019

as crianças do meu quintal
fazem prodígios
com as mãos

e por onde vão
iluminam as sombras
e os frutos das árvores

voam pelo ar
escondem-se no tempo

crescem rosas e nêsperas
na tarde quente

sexta-feira, 10 de maio de 2019

luca pensou que Deus
fosse um brinquedo

e guardou-o entre as mãos
como um segredo que ninguém
mais via

e ninguém podia ver
aquela espécie de magia
que se movia entre os dedos

e os seus olhos
iluminados

quinta-feira, 9 de maio de 2019

sexta-feira, 3 de maio de 2019

pai que estás no céu

guarda-me de querer viver
outra vez

igual seja
aos pássaros e aos gatos
que se movem no ar
sem pretensões

nada repetido
e nada que seja demais

e me deixes saber
que basta um coração
para tudo o que vale a pena

uma porta de entrada
e um abraço à saída


domingo, 28 de abril de 2019


não creio em nenhuma das palavras

que te trazem ali
nem nas multidões que vão fazer-se
nem nos outros que te esperam
uns de negro outros não

representantes que todos são
de quem nunca nada
amou no outro
e ainda menos
no seu próximo

estórias e dias de mentiras
em que a pobreza jaz fundo
e muito por debaixo
de uma árvore

por isso te digo
prefiro a chuva

quinta-feira, 25 de abril de 2019


Mas o que é um amigo? O que é essa coisa chamada amizade? Que espécie de sentimento é este, que nos faz crer tanto nos amigos, confiar neles como se donos fossem de poderes especiais? Partilhar com eles alegrias, dores ou sofrimento? Que magia há nos amigos, pergunto-vos, que nos faz crer que tudo neles é transparente e luminoso?

Ao longo da minha vida tenho assistido a alguns factos muito misteriosos. Um amigo tem poderes curativos sobre nós, prolonga-nos a vida, protege-nos da chuva quando nos dá a mão ou toca um ombro. Se estamos tristes ele chega e com uma palavra impronunciável cura-nos da tristeza. Inexplicavelmente, os amigos têm o poder de saciar-nos da fome ou da sede. Quando estamos exaustos, tão cansados, vêm junto de nós e sorriem, e então vamos por onde vamos. Os amigos fazem-nos crer em coisas que só existem para eles e partilham-nas, repartem-nas com as mãos, e tornam-se nossas também.

Os amigos não precisam de cartas de recomendação, de juramentos ou palavras de honra. O que dizem serve uma vez e para sempre. Aos amigos perdoamos o que não se perdoa a ninguém, pois aos amigos outorgamos a bondade dos defeitos, o direito à imperfeição.

Os amigos não mentem: contam-nos versões da verdade. Aquilo que nos outros é mentira, nos amigos é força da imaginação. É que aos amigos liga-nos algo que não nos liga a ninguém: o segredo da amizade. Porque a amizade é uma coisa de magia, que purifica, compreende, transforma. A amizade cura.
Um amigo jamais esquece outro. Poderão passar anos, mas nem a morte pode separar-nos de um amigo, pois ele ficou connosco desde o primeiro abraço, desde a primeira vez que tocámos o ombro um do outro. Quando nos disse a palavra autêntica.

Amigo é aquele que espera de mim humanidade e comigo partilha a sua. Não espero de um amigo que seja santo ou flutue acima dos telhados da cidade. De um amigo espero apenas a bondade do seu pedaço de humanidade; o perdão, a compreensão pelo meu pedaço de humanidade. Que seja para mim uma metade e eu a outra que sou para ele. E que seja de todos o mais próximo de mim. Que aceite os meus erros e fraquezas e me retribua com o seu abraço de imensa grandeza. E por isso digo que a amizade é uma coisa abençoada. Não é algo que se compre, se troque, se venda ou peça emprestada. A amizade é uma dádiva, e não tem peso ou medida. A amizade não é calculista. Não depende disto ou daquilo. Ela é simplesmente o que é, pois a amizade é inocente, e só o que é inocente perdura.

A amizade não se mede por palavras. Existem amizades silenciosas, recatadas, amigos que nos tocam de longe ou com simples gestos verdadeiros. A amizade não precisa de explicações. Ninguém sabe de onde vem, de que matéria é feita, mas todos sabem reconhecê-la quando chega. Não precisa de adjectivos, nem de justificações, e por vezes cai dentro de nós como um sentimento que nos torna muito maiores que a nossa própria vida. Se não temos amigos vivemos e morremos sozinhos.

E no dia da nossa morte, amigo seja aquele que pronuncia o nosso nome no silêncio do seu coração, e o diz como se perdesse uma coisa de valor incalculável.



Os amigos fazem crescer as árvores.
esta manhã

encontrei Deus
a mover caminhos
entre as formigas
do meu quintal

que fazes
perguntei

trato dos teus poemas

segunda-feira, 22 de abril de 2019

                        ressurreição


ele ergueu-se

por entre as árvores do quintal
como se fosse uma ave
que ainda não aprendera
a voar

ergueu-se
e por instantes
tocou as maçãs devagar

depois olhou para mim
quase a voar quase a sorrir

e tomou a tarde e a noite
nas suas mãos

como se fosse
tocar-me


terça-feira, 16 de abril de 2019

estes não são os meus dias

nem estas as armas
o que na cidade nos seca

a ignomínia
a pobreza e a desgraça

uma coisa que seja
de tudo isto
ainda que não se alcance

um nome
uma flor
alguém que se ame

e depois

sábado, 13 de abril de 2019

também creio no amor
embora me distraia a ver a chuva

e sento-me ao lado das coisas
como se fosse a tua sombra

às vezes guardo as alegrias
e dou-lhes nomes

nomes como o teu
nomes cheios e redondos
onde há um corpo

e mãos que tocam


terça-feira, 9 de abril de 2019


ontem explicaram-me

que nenhum poeta da literatura
escreve poemas de amor por gatos

os poetas importantes
escrevem poemas sobre coisas importantes

é da sua natureza

e a minha é sentir a tua falta

e vou ao quintal
e semeio flores onde estás

e faço redondos muito azuis
mesmo que chova dentro

e rezo junto ao limoeiro
e da erva de s. roberto

e peço a Deus
que te guarde num sítio bom