poesia, Carlos Lopes Pires

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

dias bonitos os que tenho
passado em tua casa

como posso ser tão
mal-agradecido

as coisas que me trazes
das tuas noites de abundância

que são tantas
a encher-me o coração

que nada me falta
mesmo se não estás

como posso ser
tão cego

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

           o meu amigo pedro jordão fez 83 anos

atravessei mais de metade
da minha vida
para chamar-te amigo

que é só um nome
eu sei

e então penso
que é tão pouca a vida
para um nome tão pequeno

uma mão que se abre
onde tu possas nem estar

e no entanto
fazer-te sempre parte
da outra vida

que ainda me reste

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

rompi o silêncio
para estar contigo

mas tu já nunca me vês

já não reparas nas minhas mãos
nem perguntas onde estão

demasiados pássaros
e poucas rosas

e no entanto
ando de par em par

em busca
do teu coração

                   (se um dia houver domingo à tarde, 2021)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

                        para maria  

como pode a luz
parecer-se tanto contigo
e depois há as laranjas
onde tocas as tuas mãos iluminadas
inaugurando no mundo um mistério
que só as aves pressentem
e pergunto como podes tu ser
uma árvore tão fecunda
e das tuas folhas
água e rosas
e te pareces tanto com a chuva
         
                              In Te Quiero, 2011

domingo, 5 de janeiro de 2020

as gentes viviam no lado de fora

então ele olhou para onde estava o mar
e juntou as gaivotas e os homens
na linha do horizonte

e caminhou neles
que era onde ninguém havia estado

e as pessoas abriram as janelas
e viram que ele caminhava no silêncio

e das mãos tirou água vinho pão
e também os peixes

só depois
tirando do coração uma luz

caminhou para dentro

que é onde
ainda ninguém entrou

                a noite que nenhuma mão alcança, 2019

sábado, 4 de janeiro de 2020

não creio em Deus

que nunca me apareceu
em casa
ou apertou as mãos
num dia de aflição e frio

mas creio nas maçãs

e creio
em tudo o que vejo
sem explicação

o pólen o vento
a sombra da madeira
e o que se move

no chão

                  in onde crescem as maçãs, 2020
todo o tempo seja
daquele que acorda

e que abrindo o dia
na sua mão direita

encontra o teu nome
escrito

no coração


            ("se um dia houver domingo à tarde", 2021)