poesia, Carlos Lopes Pires

domingo, 28 de abril de 2019


não creio em nenhuma das palavras

que te trazem ali
nem nas multidões que vão fazer-se
nem nos outros que te esperam
uns de negro outros não

representantes que todos são
de quem nunca nada
amou no outro
e ainda menos
no seu próximo

estórias e dias de mentiras
em que a pobreza jaz fundo
e muito por debaixo
de uma árvore

por isso te digo
prefiro a chuva

quinta-feira, 25 de abril de 2019


Mas o que é um amigo? O que é essa coisa chamada amizade? Que espécie de sentimento é este, que nos faz crer tanto nos amigos, confiar neles como se donos fossem de poderes especiais? Partilhar com eles alegrias, dores ou sofrimento? Que magia há nos amigos, pergunto-vos, que nos faz crer que tudo neles é transparente e luminoso?

Ao longo da minha vida tenho assistido a alguns factos muito misteriosos. Um amigo tem poderes curativos sobre nós, prolonga-nos a vida, protege-nos da chuva quando nos dá a mão ou toca um ombro. Se estamos tristes ele chega e com uma palavra impronunciável cura-nos da tristeza. Inexplicavelmente, os amigos têm o poder de saciar-nos da fome ou da sede. Quando estamos exaustos, tão cansados, vêm junto de nós e sorriem, e então vamos por onde vamos. Os amigos fazem-nos crer em coisas que só existem para eles e partilham-nas, repartem-nas com as mãos, e tornam-se nossas também.

Os amigos não precisam de cartas de recomendação, de juramentos ou palavras de honra. O que dizem serve uma vez e para sempre. Aos amigos perdoamos o que não se perdoa a ninguém, pois aos amigos outorgamos a bondade dos defeitos, o direito à imperfeição.

Os amigos não mentem: contam-nos versões da verdade. Aquilo que nos outros é mentira, nos amigos é força da imaginação. É que aos amigos liga-nos algo que não nos liga a ninguém: o segredo da amizade. Porque a amizade é uma coisa de magia, que purifica, compreende, transforma. A amizade cura.
Um amigo jamais esquece outro. Poderão passar anos, mas nem a morte pode separar-nos de um amigo, pois ele ficou connosco desde o primeiro abraço, desde a primeira vez que tocámos o ombro um do outro. Quando nos disse a palavra autêntica.

Amigo é aquele que espera de mim humanidade e comigo partilha a sua. Não espero de um amigo que seja santo ou flutue acima dos telhados da cidade. De um amigo espero apenas a bondade do seu pedaço de humanidade; o perdão, a compreensão pelo meu pedaço de humanidade. Que seja para mim uma metade e eu a outra que sou para ele. E que seja de todos o mais próximo de mim. Que aceite os meus erros e fraquezas e me retribua com o seu abraço de imensa grandeza. E por isso digo que a amizade é uma coisa abençoada. Não é algo que se compre, se troque, se venda ou peça emprestada. A amizade é uma dádiva, e não tem peso ou medida. A amizade não é calculista. Não depende disto ou daquilo. Ela é simplesmente o que é, pois a amizade é inocente, e só o que é inocente perdura.

A amizade não se mede por palavras. Existem amizades silenciosas, recatadas, amigos que nos tocam de longe ou com simples gestos verdadeiros. A amizade não precisa de explicações. Ninguém sabe de onde vem, de que matéria é feita, mas todos sabem reconhecê-la quando chega. Não precisa de adjectivos, nem de justificações, e por vezes cai dentro de nós como um sentimento que nos torna muito maiores que a nossa própria vida. Se não temos amigos vivemos e morremos sozinhos.

E no dia da nossa morte, amigo seja aquele que pronuncia o nosso nome no silêncio do seu coração, e o diz como se perdesse uma coisa de valor incalculável.



Os amigos fazem crescer as árvores.
esta manhã

encontrei Deus
a mover caminhos
entre as formigas
do meu quintal

que fazes
perguntei

trato dos teus poemas

segunda-feira, 22 de abril de 2019

                        ressurreição


ele ergueu-se

por entre as árvores do quintal
como se fosse uma ave
que ainda não aprendera
a voar

ergueu-se
e por instantes
tocou as maçãs devagar

depois olhou para mim
quase a voar quase a sorrir

e tomou a tarde e a noite
nas suas mãos

como se fosse
tocar-me


terça-feira, 16 de abril de 2019

estes não são os meus dias

nem estas as armas
o que na cidade nos seca

a ignomínia
a pobreza e a desgraça

uma coisa que seja
de tudo isto
ainda que não se alcance

um nome
uma flor
alguém que se ame

e depois

sábado, 13 de abril de 2019

também creio no amor
embora me distraia a ver a chuva

e sento-me ao lado das coisas
como se fosse a tua sombra

às vezes guardo as alegrias
e dou-lhes nomes

nomes como o teu
nomes cheios e redondos
onde há um corpo

e mãos que tocam


terça-feira, 9 de abril de 2019


ontem explicaram-me

que nenhum poeta da literatura
escreve poemas de amor por gatos

os poetas importantes
escrevem poemas sobre coisas importantes

é da sua natureza

e a minha é sentir a tua falta

e vou ao quintal
e semeio flores onde estás

e faço redondos muito azuis
mesmo que chova dentro

e rezo junto ao limoeiro
e da erva de s. roberto

e peço a Deus
que te guarde num sítio bom

domingo, 7 de abril de 2019

o meu quintal
é tão pequeno
que um simples olhar
percorre todas as suas montanhas

abro as mãos
e tudo alcanço nas maçãs

abro a boca
e um silêncio dentro
leva-me ao melro no limoeiro

e tudo é tão vasto
nesta vontade de ser
pequeno

eu sei
há poetas que desejam
países muito grandes

a mim basta o quintal

sábado, 6 de abril de 2019

há quem pense
que a minha poesia
é arte

é um equívoco
pois os meus poemas
são as maçãs
de quando te encontro

no quintal

quarta-feira, 3 de abril de 2019


bem-aventurados
os que não precisam
das palavras que nos secam

dos que usam o silêncio
para nunca estarem sós

embora seja em solidão
que atravessam os desertos