poesia, Carlos Lopes Pires

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

os meus poemas

não tratam de coisas importantes

 

apenas falam de chuva

 

não sobre a sua natureza

ou por que chove

 

mas porque chuva

é o que vem nos poemas


                          (a minha poesia é uma ignorância, 2017)

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

senhor

 

serei breve e pouco

e mais não direi

 

sobre um mundo

que não quero

 

e sei-te inocente

desta culpa tão profunda

que somos nós

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

nada poderá salvar-te

de ti próprio


nem mesmo os plátanos

junto aos rios



                        (o caminho da água, 2024)

domingo, 8 de agosto de 2021

liberta-me

disse o pássaro

 

para que voes

tu também

 

que nenhum coração

é livre

 

na prisão de outro



                      (azedas e margaridas, 2023)

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

se um dia

te perguntarem

tu responde

 

não deixes

que nos teus olhos

se percam os espelhos

 

tu responde

para que as tuas mãos

se tornem abundantes

 

para que

sigam os peixes



                    ("as rosas impossíveis", 2022)

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

se for tua vontade

 

que a palavra seja dita

na luz da manhã

inatingível

 

e de bruços ele se erga para o mar

se essa for a tua vontade

 

e se por tua vontade

as amoras de agosto

couberem neste cesto

 

e assim esta voz

se cale para sempre

 

na palavra da manhã



                 (a minha poesia é uma ignorância, 2017)

 

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

gostava de ser claro contigo

 

a mim há muita coisa

que falta e dói

 

muitas não cabem

em palavras

e é por isso

que são poemas

 

e são tantas e às vezes

 

nas casas nas ruas

na chuva dos quintais

e nas árvores

 

que dou comigo

e nas maçãs

 

que há no chão



                        (onde as maçãs crescem, 2020)

terça-feira, 3 de agosto de 2021

ali vivemos

por um tempo

 

um luar em agosto

 

uma inclinação das sombras

a meio da tarde

 

as coisas que as nossas mãos

transportavam

 

a sacola ao ombro

nas manhãs de abril

 

e nós perdidos entre

as casas e a chuva

 

e depois

de regresso às árvores

e aos pássaros

 

às noites dos grilos

e ao prodígio dos vaga-lumes



                   (azedas e margaridas, 2023)

domingo, 1 de agosto de 2021

que nada se apague

nas janelas embaciadas

 

nem as cinzas às cinzas

tornem o que nunca

lhes foi dado

 

a alegria das crianças

 

o amor desesperado

em mãos tão apertadas

 

que as rosas e os filhos

sejam poupados



                      (onde crescem as maçãs, 2020)