poesia, Carlos Lopes Pires

quarta-feira, 25 de abril de 2018

aos pássaros do meu quintal
tenho pedido por ti

a eles invoco as tardes lentas
e o poder dos frutos

e movo os dedos
fazendo gestos mágicos na terra
que te curem
e livrem de todo o mal

depois
junto as duas mãos
e digo muito forte
e em silêncio o teu nome
                                                (para o jorge)
                      

terça-feira, 24 de abril de 2018

desci nas tuas mãos
mas tu não estavas

eram apenas barcos
que passavam

as janelas abertas
os corredores desertos
a porta entreaberta

eram as sombras
que ficavam

segunda-feira, 23 de abril de 2018

uma flor para albano

que seja da janela
o longo olhar
que tudo alcança

sombra que seja do corpo
o sossego no coração
que se abre em flor

na outra mão
 
               (para albano martins em 19 de abril de 2018)

domingo, 15 de abril de 2018

é um mistério.

pregado numa cruz
na parede do meu quarto

todos os anos ao terceiro dia
desce e caminha
por entre os móveis e as portas

atravessa a poeira
e as marcas do que já não é

ergue as mãos no meu dentro
e chora nos meus olhos

depois volta a subir
descalço e triste
naquela coisa de tábuas

a cabeça de lado
os espinhos e o sangue
a boca aberta e muda

e morre outra vez
por mim
                 (In a noite que nenhuma mão alcança, 30 Junho 2018)


sexta-feira, 6 de abril de 2018

o amor é uma grande dor
que há no mundo

e vem das árvores e do outono
cresce entre os espinhos e as rosas
com pássaros fome gestos

e é uma dor muito grande
uma cadeira um banco
um dia

tanta coisa cabe nesta dor

até mesmo a alegria
 
                     (In a noite que nenhuma mão alcança, Junho de 2018)
 

quinta-feira, 5 de abril de 2018

morreu alguém
mas não era nosso conhecido

foi uma bomba
ou talvez uma bala

mas nem a bomba nem a bala
eram nossas conhecidas

amém
                   (In "a noite que nenhuma mão alcança", Junho 2018)
 
há dias disseram-me
que não há nada de útil
na minha poesia

e eu concordei

todos os dias
a limpo de utilidades
e outras coisas

demais
                (In a minha poesia é uma ignorância, 2017)

quarta-feira, 4 de abril de 2018

a minha poesia
é uma profunda ignorância

Senhor
faz com que seja ainda mais

e que nela habitem os insectos
e as crianças da chuva

e que cada verso louve
a abundância da tua ausência

e que nela não haja soberba
orgulho ou impaciência

mas apenas silêncio
                       (In a minha poesia é uma ignorância, 2017)