não posso pedir-te que venhas comigo. nem posso pedir-te que vejas o mesmo que eu vejo. cada qual transporta a si mesmo. também não posso pedir-te que saibas do que eu sei e que todos os dias me acontece desde há muito. repara: estou cego e um cego não pode pedir aos outros que vejam o que ele mesmo não sabe que vê.
poesia, Carlos Lopes Pires
quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
domingo, 27 de dezembro de 2020
sábado, 26 de dezembro de 2020
sexta-feira, 25 de dezembro de 2020
todas as manhãs se levantam
e caminham para a morte
e das mãos erguem casas
desenham cores lápis algodão
abraçam os filhos e os retratos
olham o reflexo das lágrimas
que deixam pelo chão
e depois vão pelas tardes distraídos
misturam-se com as aves
evitam a chuva e os dias frios
mas morrem por todo o lado
ou então chegam tarde e à noite
e abraçam os filhos
inventam alegrias e palhaços
para que a vida não pareça
tão estreita
daqui saúdo todos os animais
do
mundo
e
saúdo walt whitman
abraço
num imenso arco-íris
as
plantas e as árvores
e
abraço também cernuda
levo
o musgo a um presépio
que
há de haver um dia
no
coração de outros homens
e
levo o desgosto de celan
santifico
os domingos
e
outros dias
nos
sábios poemas de eliot
quinta-feira, 24 de dezembro de 2020
quarta-feira, 23 de dezembro de 2020
faz hoje dois anos sobre o falecimento do patitas, o gato da minha vida.
agora imagino um lugar
onde possas estar
nas árvores e nas flores
do quintal
para além das maçãs
e de todas as neblinas
que hão de vir
mas sempre
do meu coração
ainda espero
que regresses do quintal
e te aninhes junto de mim
sem uma única palavra
porque todas as palavras
te eram inecessárias
quando me tocavas
com a tua
patita de carinho
porque assim é o amor
de um homem
por seu gato
não consigo explicar
aos pássaros
que eras talvez
mais que uma presença
que para ali andava
e me seguia
e ainda menos explico
como me dói tanto
a tua ausência
hoje fui ao sítio
onde estás
entre o limoeiro
e a oliveira
uma dor de tão grande
no meu coração de pássaro
uma seta tão certeira
neste dia de chuva
e frio
domingo, 20 de dezembro de 2020
sábado, 19 de dezembro de 2020
sexta-feira, 18 de dezembro de 2020
quinta-feira, 17 de dezembro de 2020
quis ser
uma pequena ponta da
tua luz
um fugaz reflexo
do brilho quando
passas
em lentos barcos pelo
mar
e te afastas
e depois descer com as
tuas mãos
quando as minhas te
procuram
e quis ser longe nas
asas dos pássaros
chamando por ti nos
olhos dos animais
evocando antigos
sinais e gestos
ser talvez uma porta
entreaberta
onde tu estivesses
sempre
quarta-feira, 16 de dezembro de 2020
creio em tudo o que cai
creio na harmonia do chão
e seus derivados
creio nas formigas
não creio na gramática
do que está em cima ou voa
pois tudo os atrai para baixo
mas creio no silêncio
que é uma criatura do chão
assim os insectos
que se movem entre as coisas
e as tuas mãos de lama
creio no pó das estradas
terça-feira, 15 de dezembro de 2020
tu senhor
criaste as flores
e as abelhas
engrandeceste
as coisas simples
e os sinais
deste-nos o que era
teu
e deixaste
que usássemos a luz
e tudo o que era
abundante
e depois ficámos sós
uns e outros
desmerecendo a água
e as nossas próprias
mãos
e um de nós
que eras talvez tu
elevámos em humilhação
e morte
segunda-feira, 14 de dezembro de 2020
hoje encontrei Deus
pousado na nossa nespereira
ele não faz milagres
ou coisas difíceis de acontecer
ele não ordena chuva
e chove
nem que as árvores tenham sombra
ou que a luz brilhe na água
por vezes
encho o meu coração
de mais e mais ignorância
e vou então junto dele
e digo-lhe baixinho ao ouvido
sei que és tu