não posso pedir-te que venhas comigo. nem posso pedir-te que vejas o mesmo que eu vejo. cada qual transporta a si mesmo. também não posso pedir-te que saibas do que eu sei e que todos os dias me acontece desde há muito. repara: estou cego e um cego não pode pedir aos outros que vejam o que ele mesmo não sabe que vê.
poesia, Carlos Lopes Pires
sexta-feira, 30 de março de 2018
quarta-feira, 28 de março de 2018
todos os
dias no quintal
percorro o silêncio das tuas rosas
em busca do entendimento
percorro o silêncio das tuas rosas
vejo
como as estações
descem
das árvores e dos ninhosem busca do entendimento
e então
sei que há na chuva
um rasto
e um sinal de ti
uma
marca nas aves e no tempo
e assim
nos dias e nas noites
no
movimento das pedras e na luz
há uma
janela
onde só
tu estás
segunda-feira, 26 de março de 2018
um poeta, ou talvez
Deus, dirige-se a ti
o próprio caminho sou e a tua busca.
e a areia da praia a chuva
as tuas lágrimas sou também.
mas nenhum outro é o teu olhar
outros quiseram dar-te água
mas apenas eu sou a sede e a água
corpo asas e voo
num só pássaro reunidos.
com outros cantaste
mas só eu sou a tua voz.
não podes fugir-me
sem que fujas de ti. vê se entendes:
sou a tua prisão e a tua liberdade
e uma pedra que ergas contra mim
é inútil: eu sou a pedra e o gesto
todo o teu corpo em plenitude.
sem esforço sem força sem limites
agora já conheces a verdade
pois eu não sou o ar que respiras
mas o teu próprio respirar
e no caminho que buscas
eu sou o teu chão os teus péso próprio caminho sou e a tua busca.
procuras e o que procuras sou.
o teu corpo a tua sombra
a tua alma soue a areia da praia a chuva
as tuas lágrimas sou também.
acreditas e sou o que acreditas.
outros viram os teus olhosmas nenhum outro é o teu olhar
outros quiseram dar-te claridade
mas nenhum outro é a própria luzoutros quiseram dar-te água
mas apenas eu sou a sede e a água
corpo asas e voo
num só pássaro reunidos.
com outros cantaste
mas só eu sou a tua voz.
cantas e quando cantas é em mim.
e não podes magoar-me
sem que te magoes tambémnão podes fugir-me
sem que fujas de ti. vê se entendes:
sou a tua prisão e a tua liberdade
e uma pedra que ergas contra mim
é inútil: eu sou a pedra e o gesto
todo o teu corpo em plenitude.
e não tentes combater-me
pois estou rendido no teu coração.
em verdade te digo que vim para ficar
pois sou aquele que é em tisem esforço sem força sem limites
apenas porque sou
(2008, inédito)sábado, 24 de março de 2018
salmo
as coisas nunca foram fáceis
senhor
tivemos muito frio e buscámos nas árvores
onde só havia dor
nem as noites de angústia
e muito medo
que não sei
as coisas nunca foram fáceis
senhor
houve dias
em que eu e os pássarostivemos muito frio e buscámos nas árvores
onde só havia dor
às vezes penso
que não mereço estas feridasnem as noites de angústia
e muito medo
mas tu sabes
que nada começa ou acaba aqui
as plantas a chuva
as noites e as marés de todas as coisasque não sei
és tu senhor
que em tudo estás
e assim a tua mão de silêncio
no meu coração
senhor
quarta-feira, 21 de março de 2018
Doer
Já nada me dói.
Atravessei agora mesmo a rosa
que há no fundo do coração.
Dantes doía e era como um relógio,
sempre certo, sempre fixo,
e uma pintura qualquer
pendurada na sala-de-estar,
que me fazia lembrar alguém desconhecido,
mas que afinal eras apenas tu.
Nesse tempo tudo me doía.
Doíam-me os olhos e as janelas
que davam para a rua. Doíam-me os passeios
das ruas com pessoas cheias de pressa de ir
para lado nenhum.
Doía-me ser jovem e ter de esperar, noite após noite,
o tempo a passar por entre as asas dos pardais.
Havia dias em que me doíam mais as gaivotas
e os barcos pousados sobre o mar
e não o meu rosto no espelho a transformar-se.
E doía-me ser pequeno
e ter ainda tudo tão longe e fora de mim.
Mais tarde doeu-me a morte do avô
e o vazio que ficou entre o rio e as amoras.
Não sei se é assim com toda a gente,
mas a mim aconteceu doer a própria vida.
Depois, a gente envelhece,
e habitua-se aos espinhos
que a rosa tem.
(1998, inédito)
Já nada me dói.
Atravessei agora mesmo a rosa
que há no fundo do coração.
Dantes doía e era como um relógio,
sempre certo, sempre fixo,
e uma pintura qualquer
pendurada na sala-de-estar,
que me fazia lembrar alguém desconhecido,
mas que afinal eras apenas tu.
Nesse tempo tudo me doía.
Doíam-me os olhos e as janelas
que davam para a rua. Doíam-me os passeios
das ruas com pessoas cheias de pressa de ir
para lado nenhum.
Doía-me ser jovem e ter de esperar, noite após noite,
o tempo a passar por entre as asas dos pardais.
Havia dias em que me doíam mais as gaivotas
e os barcos pousados sobre o mar
e não o meu rosto no espelho a transformar-se.
E doía-me ser pequeno
e ter ainda tudo tão longe e fora de mim.
Mais tarde doeu-me a morte do avô
e o vazio que ficou entre o rio e as amoras.
Não sei se é assim com toda a gente,
mas a mim aconteceu doer a própria vida.
Depois, a gente envelhece,
e habitua-se aos espinhos
que a rosa tem.
(1998, inédito)
segunda-feira, 19 de março de 2018
domingo, 18 de março de 2018
terça-feira, 13 de março de 2018
oração
que me digas
eis a tua hora e nela a madrugada
a mão que susteve a outra
redonda em tudo o que tocou
da noite antiga a chuva
e assim o que doeu
que me digas
cada poema escrito no coração
mas nunca em parte incerta
que me digas também
quem te pareço
de quem são estas feridas
e a oração em silêncio
e porque é tarde
segunda-feira, 12 de março de 2018
Poesia
Essa flor tantas vezes nomeada em vão,
casa, esquina, portal e rua,
segredo escondido nos teus olhos
tão de ervas e brancura,
aí, onde nada fecha nem cerca
o coração,
o coração deste homem,
o teu, o dele,
juntando ossos, galhos,
água e barro modelando o verme,
o insecto, o voo
desta criatura cega e muda
na procura da verdade aberta a
todos os caminhos,
a verdade ignorada que
as suas mãos buscam
nessa flor tantas vezes nomeada
em vão.
Essa flor tantas vezes nomeada em vão,
casa, esquina, portal e rua,
segredo escondido nos teus olhos
tão de ervas e brancura,
aí, onde nada fecha nem cerca
o coração,
o coração deste homem,
o teu, o dele,
sem nada mais que seu,
pequeno, mortal,juntando ossos, galhos,
água e barro modelando o verme,
o insecto, o voo
desta criatura cega e muda
na procura da verdade aberta a
todos os caminhos,
a verdade ignorada que
as suas mãos buscam
nessa flor tantas vezes nomeada
(In Em cada um, 2001)
Roma construiu impérios, estradas,
templos,
espalhou a cultura e a palavra
e ainda hoje é admirada.
e todos acreditaram na sua justeza.
Por cada milímetro de evolução,
quantas vítimas tombaram?
Livros, discursos, vaidades, para que servem?
espalhou a cultura e a palavra
e ainda hoje é admirada.
Mas é na montanha que está a flor.
Homens duros, habituados a ver o
inimigo
no escuro, fizeram as guerras
justas e injustase todos acreditaram na sua justeza.
Mas é na montanha que está a flor.
Milénios de guerras e sangue, onde
estão
os gritos e as dores?Por cada milímetro de evolução,
quantas vítimas tombaram?
Livros, discursos, vaidades, para que servem?
É na montanha que está a flor!
(In A Invenção do Tempo, 1993)
sexta-feira, 9 de março de 2018
quarta-feira, 7 de março de 2018
Faz hoje um ano que
te conheci e soube o que é ter o coração cheiooooooooo! Um ano de aventuras...um
ano repleto de emoções intensas e grandes descobertas! Faltam palavras para
descrever o que representas na minha vida... todas me parecem poucas! És a
minha estrelinha! PARABÉNS, LUCA!!! (Escrito por Catarina ao seu filho Luca)
na mão que se abre
para o mundo
abundância e rosas
no coração
hoje um ano
na mão que se abre
para o mundo
abundância e rosas
no coração
domingo, 4 de março de 2018
sábado, 3 de março de 2018
sexta-feira, 2 de março de 2018
é noite
e chove sobre a humanidade
gritos de sangue e dor
debatem-se na água das poças e na lama
hoje a vida suspende-se por instantes
olhares de água e mãos de vento suadas
entram pelas casas dentro:
pedem-te lágrimas de silêncio.
apaga a lareira. põe-te fora de casa
e arrefece. enche-te de frio e adoece:quanto faças em nada se aproxima
ou acrescenta:
no lado de lá da vida
a morte pulsa como um vulcãoquinta-feira, 1 de março de 2018
(Extractos)
Um poema dirige-se, antes de mais, não àquele que o lê (o leitor), mas
àquele que o escreveu. Interroga-o. Interroga-o a partir do seu silêncio. E esta
interrogação provoca-lhe um estranhamento e um sobressalto. Estranhamento e
sobressalto são essenciais para o carácter encantatório que caracterizam o
poema digno deste nome. E porque o encantamento abre o silêncio, não o fecha, ele inaugura no mundo uma presença, mais precisamente, a daquele que anda lá
fora na chuva. Aquele que nunca dorme.
Mas quem é o poeta? Digo que poeta é aquele leva o poema consigo. Aquele
que o leva numa algibeira ou talvez no coração, e que o leva para onde quer que
vá, o transporta e carrega. E onde quer que vá o edifica no meio dos outros
homens, como a palavra que traz em si uma iluminada revelação. O poeta é, pois,
um estrangeiro. É estrangeiro, porque essa é a condição daquele que carrega o
poema: aquele que é estranho a si mesmo
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