poesia, Carlos Lopes Pires

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

             pablo disse


eis algumas coisas

que morrem

 

as flores que secam

alguns bichos

 

mas nunca os pássaros

 

as árvores cortadas e queimadas

também morrem

e muitas pessoas morrem

 

mas nunca os pais

porque foram feitos

por Deus

 

e Deus só morre se quiser


terça-feira, 12 de janeiro de 2021

aquele que não ouvirás mais

te saúda

 

nos dois ouvidos

e na língua

 

na mão que te acompanha

e na outra

 

nos passos que se afastam

e no coração

 

para que não se ouça

e a língua não divulgue

 

te saúdo em silêncio

 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

                        poema de amor pelo meu filho pablo

 

que este amor seja

uma estrela

 

uma rosa tocada sempre

pela primeira vez

 

mas intocável

 

como são os teus dedos

em movimento

 

e que por mais distante

ainda a mais próxima

 

e nunca morrendo

mesmo findo este corpo

esta sombra este nome

 

e por todo o lado viajando

nos teus passos

 

no teu coração

 

na ponta das árvores

ou na cor dos pássaros

 

infinito mesmo em silêncio

que tu me ouças

 

e não leves mais ninguém

do meu quintal

 

que fales

na minha boca os seus nomes

e assim os protejas da dor

e ausência

 

que nas suas mãos e coração

apenas tomilho e açafrão

 

que não me deixes

mais lugares vazios

domingo, 10 de janeiro de 2021

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

                            (in a noite que nenhuma mão alcança, 2018)

não sei por que querem todos ser eternos. uns esperam um reino que distinga os bons dos maus num lugar onde ao menos durem para sempre; outros desejam permanecer noutras formas, noutros corpos, ou durando em pequenas partículas de alguma coisa ou nada. se soubessem o que eu sei sobre não ter nem um fim nem um início… não ter um ponto onde tivesse começado alguma coisa em que me tornasse para mudar depois em direcção a outra… uma vida de que pudesse recordar alguém que eu tivesse sido. e tivesse um dia sido apenas uma criança e ter tido uma mãe que me abraçasse como se eu fosse o mundo, porque assim era também o seu amor por mim. um pai que me levasse com ele a todos os lugares onde chovesse e me dissesse palavras criadas apenas para mim. e aqueles dias de chuva em correrias pelos campos, as sombras das árvores, os companheiros, as quedas e os muros, dias que guardasse como um tesouro para não os perder da minha vida, e assim nesta edificando mãos que abrissem e abrissem para dentro. se soubessem o que eu sei do que me falta, dando importância às coisas que me passam ao lado e redondas se perdem pelo chão sem um olhar, uma mão, um coração que as guarde do puro abandono. ter encontrado na vida um amigo, alguém que pudesse ter abraçado como se abrisse uma janela e nela visse o mar. ter chorado de tristeza por ter amado alguém que me faltou e assim ter sentido o valor do que ainda me restasse ou tivesse. ter caminhado pelo mundo ou pelas ruas de uma pequena aldeia e saudado os que passavam por mim, sem ódio, sem rancor, grato e generoso pela sua companhia e assim para eles pudesse eu ser também o seu próximo; e então uns e outros fossemos pela vida como se as mãos de cada um fossem as mãos de cada outro. e chegados ao final de todos os dias e de todas as noites compreendêssemos que chegar ao fim não é uma queda em algum abismo, mas alcançar aquilo que todos os poemas anunciam: o silêncio.

pudéssemos todos nascer, viver e morrer simplesmente

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

 

creio em milagres

 

mesmo nos mais simples

e nos que são de qualquer hora

 

como um som na madeira

um peixe na água

 

ou um pássaro

que passa

no céu a voar