(in a noite que nenhuma mão alcança, 2018)
não sei por que
querem todos ser eternos. uns esperam um reino que distinga os bons dos maus
num lugar onde ao menos durem para sempre; outros desejam permanecer noutras
formas, noutros corpos, ou durando em pequenas partículas de alguma coisa ou
nada. se soubessem o que eu sei sobre não ter nem um fim nem um início… não ter
um ponto onde tivesse começado alguma coisa em que me tornasse para mudar
depois em direcção a outra… uma vida de que pudesse recordar alguém que eu
tivesse sido. e tivesse um dia sido apenas uma criança e ter tido uma mãe que
me abraçasse como se eu fosse o mundo, porque assim era também o seu amor por
mim. um pai que me levasse com ele a todos os lugares onde chovesse e me
dissesse palavras criadas apenas para mim. e aqueles dias de chuva em correrias
pelos campos, as sombras das árvores, os companheiros, as quedas e os muros,
dias que guardasse como um tesouro para não os perder da minha vida, e assim
nesta edificando mãos que abrissem e abrissem para dentro. se soubessem o que
eu sei do que me falta, dando importância às coisas que me passam ao lado e
redondas se perdem pelo chão sem um olhar, uma mão, um coração que as guarde do
puro abandono. ter encontrado na vida um amigo, alguém que pudesse ter abraçado
como se abrisse uma janela e nela visse o mar. ter chorado de tristeza por ter
amado alguém que me faltou e assim ter sentido o valor do que ainda me restasse
ou tivesse. ter caminhado pelo mundo ou pelas ruas de uma pequena aldeia e
saudado os que passavam por mim, sem ódio, sem rancor, grato e generoso pela
sua companhia e assim para eles pudesse eu ser também o seu próximo; e então
uns e outros fossemos pela vida como se as mãos de cada um fossem as mãos de
cada outro. e chegados ao final de todos os dias e de todas as noites compreendêssemos
que chegar ao fim não é uma queda em algum abismo, mas alcançar aquilo que
todos os poemas anunciam: o silêncio.
pudéssemos
todos nascer, viver e morrer simplesmente
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