poesia, Carlos Lopes Pires

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

talvez um dia as árvores

se lembrem de nós

 

de quando os nossos nomes

tinham rostos

 

e nós então

tão perto

de tudo o que tocámos

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

 (em Quadrazais)


 

 I

 

Tudo sossegado no meu país.

As rosas voltaram a estar quietas.

Os estorninhos regressaram hoje à grande tília.

Já não passam carros de fora

nem se ouvem palavras estrangeiras.

Algumas nuvens fazem lembrar a chuva,

o sino há uns dias que não toca.

Uma lua muito grande cresceu sobre a noite

e os castanheiros do meu país.

 

Vim trazer-te o coração.

 

II

 

Uma luz ao fundo da noite,

uma rosa aberta,

uma desertidão,

 

uma estranha calma

no coração.

 

III

 

Inumeráveis rios da alma,

inumeráveis nomes.

Carne e pedra, voz e eco,

 

habitação total.

 

 

IV


Eu nunca ando só no meu país.

Ando sempre eu e as casas,

as giestas, os moinhos, os carreiros,

os meus avós e tios, as lendas e

os contrabandistas e a lua e

o Cirinéu e os lobos e a tia Chau e os castanheiros

e a Praça e o Cimo e a Calle Fundeira

e o Vale e a S. Eufêmia e o S. Gens e o Vale da Ussa

e a Serra da Malcata e o ti Zé Choino e o ti Jagão

e a Escaleira e a Lameira e o rio Côa

e o Lameirão da Ribeira e a Igreja e a Grande Tília

e a fonte e


domingo, 24 de janeiro de 2021

que caminhes na água

 

que atravesses o outro lado

da rua e me abraces

 

que não fiques em silêncio

 

que não seja a minha dor

indiferente da tua

 

que me alegres

 

que não te guardes nem feches

no lado de lá da tua vida

 

abre uma mão e depois a outra

 

para que nenhuma rosa

fique por abrir

 

no coração

um poema

é uma coisa muito séria

 

nele se dizem palavras

que nem as rosas

conhecem

 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

muitos escrevem a um deus

cheio de letras grandes

com intervalos de importância

 

eu dirijo-me a um Deus

que não quer existir-se

para além da nespereira

do meu quintal

 

que louva e canta

a ignorância em todas

as gramáticas do mundo

 

que não quer nem sabe

e vai por onde vai

 

e quando me perguntam

que género de Deus é este

eu apenas posso dizer

 

sei de um pássaro

domingo, 17 de janeiro de 2021

rompi o silêncio

para estar contigo

 

mas tu nunca me vês

 

já não reparas nas minhas mãos

nem perguntas onde estão

 

demasiados pássaros

e poucas rosas

 

e no entanto

ando de par em par

 

em busca

do teu coração

sábado, 16 de janeiro de 2021

que estes poemas

caminhem por entre os homens

 

e não lhes toquem

nem digam

 

pois nenhuma verdade

é mais certa

e por nenhuma verdade

serão medidos

 

que encontrem

uma mão

 

onde trocar de rosa