talvez um dia as árvores
se lembrem de nós
de quando os nossos nomes
tinham rostos
e nós então
tão perto
de tudo o que tocámos
não posso pedir-te que venhas comigo. nem posso pedir-te que vejas o mesmo que eu vejo. cada qual transporta a si mesmo. também não posso pedir-te que saibas do que eu sei e que todos os dias me acontece desde há muito. repara: estou cego e um cego não pode pedir aos outros que vejam o que ele mesmo não sabe que vê.
(em Quadrazais)
I
Tudo sossegado no meu país.
As rosas voltaram a estar quietas.
Os estorninhos regressaram hoje à grande tília.
Já não passam carros de fora
nem se ouvem palavras estrangeiras.
Algumas nuvens fazem lembrar a chuva,
o sino há uns dias que não toca.
Uma lua muito grande cresceu sobre a noite
e os castanheiros do meu país.
Vim trazer-te o coração.
II
Uma luz ao fundo da noite,
uma rosa aberta,
uma desertidão,
uma estranha calma
no coração.
III
Inumeráveis rios da alma,
inumeráveis nomes.
Carne e pedra, voz e eco,
habitação total.
IV
Eu nunca ando só no meu país.
Ando sempre eu e as casas,
as giestas, os moinhos, os carreiros,
os meus avós e tios, as lendas e
os contrabandistas e a lua e
o Cirinéu e os lobos e a tia Chau e os castanheiros
e a Praça e o Cimo e a Calle Fundeira
e o Vale e a S. Eufêmia e o S. Gens e o Vale da Ussa
e a Serra da Malcata e o ti Zé Choino e o ti Jagão
e a Escaleira e a Lameira e o rio Côa
e o Lameirão da Ribeira e a Igreja e a Grande Tília
e a fonte e
muitos escrevem a um deus
cheio de letras grandes
com intervalos de importância
eu dirijo-me a um Deus
que não quer existir-se
para além da nespereira
do meu quintal
que louva e canta
a ignorância em todas
as gramáticas do mundo
que não quer nem sabe
e vai por onde vai
e quando me perguntam
que género de Deus é este
eu apenas posso dizer
sei de um pássaro