Doer
Já
nada me dói.
Atravessei
agora mesmo a rosa
que
há no fundo do coração.
Dantes
doía e era como um relógio,
sempre
certo, sempre fixo,
e
uma pintura qualquer
pendurada
na sala-de-estar,
que
me fazia lembrar alguém desconhecido,
mas
que afinal eras apenas tu.
Nesse
tempo tudo me doía.
Doíam-me
os olhos e as janelas
que
davam para a rua. Doíam-me os passeios
das
ruas com pessoas cheias de pressa de ir
para
lado nenhum.
Doía-me
ser jovem e ter de esperar, noite após noite,
o tempo a passar por entre as asas dos pardais.
Havia
dias em que me doíam mais as gaivotas
e
os barcos pousados sobre o mar
e não o meu rosto no espelho a transformar-se.
E
doía-me ser pequeno
e
ter ainda tudo tão longe e fora de mim.
Mais
tarde doeu-me a morte do avô
e
o vazio que ficou entre o rio e as amoras.
Não
sei se é assim com toda a gente,
mas
a mim aconteceu doer a própria vida.
Depois,
a gente envelhece,
e
habitua-se aos espinhos
que
a rosa tem.
(1998, inédito)
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