poesia, Carlos Lopes Pires

segunda-feira, 26 de março de 2018

                        um poeta, ou talvez Deus, dirige-se a ti

 
agora já conheces a verdade

pois eu não sou o ar que respiras
mas o teu próprio respirar

e no caminho que buscas
eu sou o teu chão os teus pés
o próprio caminho sou e a tua busca.

procuras e o que procuras sou.

o teu corpo a tua sombra
a tua alma sou
e a areia da praia a chuva
as tuas lágrimas sou também.

acreditas e sou o que acreditas.
outros viram os teus olhos
mas nenhum outro é o teu olhar

outros quiseram dar-te claridade
mas nenhum outro é a própria luz

outros quiseram dar-te água
mas apenas eu sou a sede e a água
corpo asas e voo
num só pássaro reunidos.

com outros cantaste
mas só eu sou a tua voz.

cantas e quando cantas é em mim.

e não podes magoar-me
sem que te magoes também
não podes fugir-me
sem que fujas de ti. vê se entendes:
sou a tua prisão e a tua liberdade
e uma pedra que ergas contra mim
é inútil: eu sou a pedra e o gesto
todo o teu corpo em plenitude.

e não tentes combater-me
pois estou rendido no teu coração.

em verdade te digo que vim para ficar
pois sou aquele que é em ti
sem esforço sem força sem limites

apenas porque sou
                                  (2008, inédito)
 

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